Capítulo 2: A Revelação do Doutor Fanrir
- Jhunior Reis
- 2 de fev.
- 10 min de leitura
Reis havia simplesmente desmaiado no momento em que viu o besouro gigante falando. Sua mente já estava sobrecarregada com tudo o que acontecera em poucos minutos: a rotina pesada dos últimos dias, a frustração acumulada e a sensação de carregar tudo sozinho. Então, o impossível aconteceu: um portal se abriu diante de seus olhos, um vendaval de energia o puxou para dentro, e ele despencou vertiginosamente pelo desconhecido.
Seu coração bateu tão forte que, por um instante, seu corpo não soube se reagia ou cedia ao inevitável.
O choque da mudança repentina e a visão de um ser colossal, alado e falante foram demais para sua mente processar. O cérebro fez o único que podia: desligou-se. Desmaiou no instante em que percebeu que nada mais fazia sentido.
Então Reis acordou sem saber quanto tempo havia se ado. Seus olhos abriram lentamente, ajustando-se à penumbra de uma sala escura. Ele estava deitado em uma maca de madeira simples, com bordas gastas e uma superfície que rangia ao menor movimento.
O ar ao seu redor tinha um cheiro peculiar — uma mistura de ervas, madeira queimada e algo metálico que parecia vibrar no fundo de suas narinas.
Ainda desorientado, Reis olhou ao redor, tentando entender onde estava. As paredes eram feitas de madeira rústica, com poucas tochas que iluminavam o ambiente com uma luz amarelada, lançando sombras que dançavam como espectros. Do outro lado da sala, uma figura estava de costas, concentrada em mexer em frascos e potes dispostos em uma longa mesa de trabalho. O som de líquidos borbulhando e o leve tilintar de vidro preenchiam o ar.
A figura usava roupas de couro escuras, com detalhes de metal que refletiam a luz das tochas. Os movimentos eram precisos, como os de alguém habituado a manipular coisas delicadas. Reis sentou-se lentamente na maca, sentindo o corpo ainda pesado e os músculos tensos.
Onde estou?” ele perguntou, sua voz rouca e hesitante, como se temesse quebrar o silêncio do lugar.
A figura parou o que estava fazendo. Ficou imóvel por um momento, antes de se virar lentamente. O que Reis viu fez seu coração disparar.
Não era um homem. Era um cachorro humanoide.A criatura tinha uma postura ereta e elegante. Sua pelagem preta e cinza era impecavelmente cuidada, e um par de óculos redondos descansava sobre seu focinho alongado. Os olhos por trás das lentes brilhavam com uma mistura de curiosidade e inteligência, enquanto ele segurava um pequeno frasco com um líquido esverdeado que borbulhava suavemente.
Como está se sentindo?” perguntou o ser, sua voz grave, mas não ameaçadora.
Reis deu um salto da maca, o coração quase saindo pela boca. “O quê... o quê... você é um cachorro que fala?!”

Sem esperar por uma resposta, ele deu dois os para trás, esbarrando em uma mesa próxima. Seus olhos percorriam freneticamente o ambiente, em busca de uma saída. Em sua fuga desesperada, ele pulou por cima de uma mesa cheia de frascos e potes. O impacto foi desastroso. Vidros se estilhaçaram no chão, espalhando líquidos coloridos que soltavam pequenos vapores e borbulhas. O cheiro no ar ficou ainda mais intenso, quase sufocante.
Ei! Cuidado com isso!” exclamou o cachorro humanoide, levantando as mãos em um gesto apaziguador. “Você vai acabar se machucando!”
Mas Reis já havia localizado a porta da sala. Empurrou-a com força e saiu para o lado de fora, onde foi imediatamente atingido por uma luz tão intensa que precisou cobrir os olhos.
Ele piscou várias vezes, tentando ajustar sua visão. Diferente de qualquer luz solar que já havia visto, aquela era fria e brilhante, como se fosse filtrada por algum tipo de magia. Não havia calor, apenas uma claridade quase etérea.

Quando finalmente conseguiu enxergar, Reis ficou boquiaberto. Estava em um lugar completamente diferente de tudo que conhecia. Diante dele, havia um vasto lago de águas cristalinas, tão calmas que refletiam o céu como um espelho perfeito. A margem era cercada por uma grama de um verde vibrante, tão viva que parecia quase irreal. Algumas poucas árvores surgiam esparsamente ao redor, com troncos finos e folhas douradas que balançavam suavemente ao vento, parecendo sussurrar em harmonia com o cenário.
O céu era de um azul profundo, e o sol brilhava forte sobre a paisagem. No entanto, sua luz, embora intensa, não trazia calor abrasador. A temperatura era surpreendentemente amena, como uma manhã fresca de primavera, proporcionando uma sensação estranhamente confortável e ao mesmo tempo incomum para Reis.
Atrás dele, a construção de onde havia saído chamava pouca atenção à primeira vista, mas se destacava pela simplicidade funcional. A casa era feita de madeira rústica, com paredes reforçadas por pedras, e uma chaminé de pedra lançava uma leve coluna de fumaça no ar. Havia ervas penduradas sob o beiral e pequenos vasos de plantas ao longo da varanda. Era como um refúgio, isolado e silencioso, perfeitamente posicionado na margem do lago.
“Por favor, acalme-se,” disse uma voz atrás dele. Reis virou-se bruscamente e viu o cachorro humanoide parado na porta, os braços cruzados e um olhar levemente irritado.
“Quem... ou melhor, o que é você? Onde eu estou?” perguntou Reis, ainda sem fôlego.
O cachorro ajustou os óculos com um gesto metódico, como se já esperasse aquela reação. “Eu sou o Doutor Fanrir,” disse ele calmamente. “Sou um curandeiro e cientista aqui na região. Você estava inconsciente quando Bugras o trouxe até minha casa. Eu cuidei de você, fiz alguns exames e garanto: você vai ficar bem, mas precisamos conversar.”
No entanto, antes que ele pudesse continuar, outra voz ecoou, desta vez de forma profunda e ressonante, parecendo surgir de todos os lugares ao mesmo tempo.
"O Doutor Fanrir é a melhor criatura para curar você," disse a voz, carregada de autoridade, mas também de uma gentileza que fez Reis estremecer.
Reis arregalou os olhos e, instintivamente, olhou para cima. Foi então que viu Bugras. O enorme besouro branco descia do céu em um voo majestoso, suas asas translúcidas brilhando sob o sol ameno. Com precisão quase sobrenatural, Bugras pousou suavemente no telhado da casa, dobrando as asas com cuidado.
Os olhos dourados de Bugras fixaram-se em Reis, transmitindo calma e uma sensação de confiança. "Garanto que você está bem," disse Bugras, inclinando levemente a cabeça para observar o homem com atenção.
Reis deu um o para trás, ainda processando o fato de estar diante de um besouro gigante que falava. Ele olhou de Bugras para o cachorro humanoide, ainda sem saber como reagir àquelas criaturas tão incomuns que, de alguma forma, pareciam estar ali por ele.
“Por favor, entre,” disse Fanrir, apontando para a porta. “Você precisa ouvir algumas coisas. Prometo que tudo será explicado.”
Reis hesitou, mas sabia que não tinha outra escolha. Aquele mundo era tão estranho que a única pessoa — ou ser — que poderia oferecer respostas era o Doutor Fanrir. Ele respirou fundo e, com os vacilantes, seguiu o cachorro para dentro.
Reis seguiu Fanrir para dentro da casa com os hesitantes. O interior era surpreendentemente organizado, com estantes repletas de livros de capas grossas e frascos contendo líquidos de cores vibrantes, alinhados meticulosamente em prateleiras, dando ao ambiente uma atmosfera de laboratório improvisado. A luz suave que entrava pelas janelas de vidro fosco iluminava o espaço, revelando detalhes curiosos: mapas pendurados nas paredes, esquemas desenhados à mão e um conjunto de ferramentas que pareciam tanto científicas quanto mágicas.
Reis olhou em volta, notando alguns frascos quebrados no chão, provavelmente resultado de sua fuga apressada. Ele engoliu em seco e, sem conseguir evitar, disse: “Desculpe por... ter quebrado suas coisas. Eu não sabia o que estava acontecendo.”
Fanrir, que estava ajustando os óculos, balançou a cabeça calmamente. “Não se preocupe. Nada que eu não possa substituir. Além disso, é compreensível, considerando o que você ou.” Ele apontou para uma cadeira de madeira ao lado de uma mesa coberta de livros e apetrechos misteriosos. “Por favor, sente-se. Temos muito a conversar.”
Reis se sentou, ainda desconfiado, e observou o cachorro humanoide por alguns segundos. Fanrir parecia incrivelmente meticuloso, ajustando pequenos frascos e reorganizando objetos antes de finalmente se sentar em frente a ele.

“Imagino que você seja um humano,” começou Fanrir, inclinando levemente a cabeça como se o analisasse. “Já estudei muito sobre a sua espécie, mas nunca havia visto um de perto. Entretanto, sei tudo sobre a anatomia de vocês. Li muito sobre isso.”
Reis arqueou as sobrancelhas, um pouco desconfortável com a ideia de ser estudado como uma curiosidade científica. “Certo… mas, mais importante, onde exatamente eu estou?”
Fanrir ajustou os óculos novamente, parecendo animado em começar a explicação. “Você está em Reisengard, um mundo em uma dimensão diferente do seu. Este mundo foi criado pelo mago Reisengard, um ser fantástico e de sabedoria incomparável. Ele é o criador de tudo o que você vê — a terra, os mares, as criaturas, as cidades. Tudo nasceu do poder e da visão dele.”
Reis inclinou-se para frente, absorvendo cada palavra. Fanrir continuou: “Este mundo é único. Ele combina magia, tecnologia avançada, filosofia e todas as grandes artes que existem. Aqui, há criaturas que habitam todos os lugares: no céu, no mar, na terra e nas cidades. Cada uma delas tem sua própria história, propósito e magia.”

Antes que Fanrir pudesse continuar, Reis o interrompeu: “Eu vi ao longe... ao cair. As torres de uma cidade. Pareciam enormes e prateadas. Que lugar é aquele?”
Fanrir olhou para Reis com um brilho nos olhos, como se esperasse por essa pergunta.
“Aquelas torres pertencem à Capital, a cidade mais importante de Reisengard. É o coração deste mundo. Lá vive o Rei de Reisengard, a criatura responsável por reger o planeta enquanto o mago Reisengard está ausente. O Rei de Reisengard é a figura mais poderosa deste mundo agora, mantendo a ordem e a harmonia enquanto aguardamos o retorno do mago.”

Reis balançou a cabeça, ainda tentando processar tudo o que ouvia. “Então… este lugar é governado por um rei enquanto o criador do mundo está ausente? Onde ele foi?”
Fanrir levantou uma das mãos como se pedisse calma. “Essa é uma pergunta para outro momento. Vamos voltar ao que importa agora. Reisengard é um mundo onde tudo se conecta: as criaturas, as magias, os equipamentos e os locais. Tudo é parte de um equilíbrio intrincado, moldado pela vontade do mago.”
Reis se recostou na cadeira, tentando montar o quebra-cabeça. “Isso me parece muito com um RPG,” disse, com um sorriso involuntário. “Quando criança, eu adorava jogar RPG no videogame ou ler sobre eles.”

Fanrir franziu o cenho, visivelmente confuso. “RPG? Não estou familiarizado com esse termo. O que é um RPG?”
Reis riu baixinho, mais para si mesmo do que para Fanrir. “É um tipo de jogo onde você cria personagens, explora mundos fantásticos, enfrenta desafios e, geralmente, tem uma história cheia de aventura. O que você está me descrevendo parece muito com isso.”
Fanrir inclinou a cabeça, claramente intrigado. “Interessante. Talvez o que você conhece como RPG tenha sido inspirado em mundos como este. Ou, quem sabe, seja algo mais profundo.” Ele se levantou lentamente, caminhando até uma prateleira cheia de mapas. “O que importa agora é que você está aqui, e isso não aconteceu por acaso.”
Reis o observava em silêncio, sentindo que estava apenas arranhando a superfície de algo muito maior do que poderia compreender. “Por que eu? Por que eu vim parar aqui?” perguntou, sua voz carregada de curiosidade e um toque de preocupação.

Fanrir voltou-se para ele, com um mapa enrolado na mão. “Isso é o que ainda precisamos descobrir. Mas tenha certeza de uma coisa: você tem um papel importante neste mundo, mesmo que ainda não saiba qual é.”
Reis ou a mão pela cabeça, exalando um suspiro pesado. "Como podemos pensar em voltar para cá se eu nem sei como sair daqui">bottom of page